
Não se enganem com os contos dourados do Sul. A história não é uma canção entoada por menestréis em cortes aquecidas. É uma maré de sangue e gelo, que avança e recua, deixando para trás apenas ossos e as ruínas de tronos esquecidos. Nós, que não cantamos canções aos céus nem pedimos favores a deuses indiferentes, lembramo-nos da verdade gravada na própria rocha.
Isto é o que se sabe sobre a Grande Mudança.
Sobre o Crepúsculo dos Primeiros Nascidos.
Houve um tempo em que o mundo era mais vibrante. As cores eram mais nítidas, o ar carregado com uma energia que os homens modernos não conseguem sequer conceber. Esta era a influência dos Primeiros Nascidos, os chamados Elfos. Eles não eram o povo etéreo das lendas sulistas; eram seres de imenso poder e ainda maior melancolia, pois viam o fim de todas as coisas em cada folha que caía.Seu declínio não foi uma única batalha ou uma partida em navios de velas brancas. Foi um desvanecer, lento e inexorável como o entardecer de um longo ano. Suas cidades, outrora faróis de luz e saber, tornaram-se tumbas silenciosas de cristal e pedra. Vimos os últimos deles em nossas fronteiras, figuras altas e sombrias que não olhavam para os homens, mas através deles, seus olhos fixos numa memória distante de uma luz perdida no Oeste.
Eles deixaram para trás um mundo mais fraco, esvaziado de sua magia primordial. Deixaram artefatos cujo poder os homens não compreendiam, espadas que cantavam, anéis que sussurravam e pedras que guardavam visões de um tempo de glória. Estes se tornariam as ferramentas e as maldições das eras vindouras. A magia não desapareceu por completo; ela apenas apodreceu, tornando-se algo mais sombrio, secreto e perigoso nas mãos de mortais.
A Longa Deriva dos Homens do Oeste
Com a partida dos Elfos, o fardo do mundo recaiu sobre os reinos dos Homens do Oeste, os descendentes dos Senhores dos Mares que desafiaram os deuses e foram afogados por sua arrogância. Seus reinos, que pareciam destinados a durar para sempre, começaram a ruir por dentro.Seu sangue afinou, suas memórias encurtaram. A nobreza que os unia contra as sombras do passado se dissolveu em disputas mesquinhas por terras e poder. As grandes fortalezas de pedra branca, como Minas Anor e Minas Ithil, tornaram-se ninhos de tiranos ou covis de coisas que rastejavam nas trevas. O grande reino do Norte desmoronou primeiro, tornando-se uma terra de colinas assombradas e pequenos povoados que viviam com medo de seus próprios fantasmas. O reino do Sul, embora mais resistente, foi corroído por pragas, guerras civis e pela lenta exaustão de seu propósito.
Em poucas gerações, os grandes reis foram substituídos por senhores da guerra, e estes, por sua vez, por chefes tribais. Suas estradas magníficas se fragmentaram, suas bibliotecas foram queimadas ou simplesmente esquecidas. Os herdeiros de Númenor tornaram-se nada mais que homens altos com olhos assombrados, governando aldeias de barro construídas à sombra de suas próprias e incompreensíveis ruínas.
O Cataclismo e a Ascensão do Norte Bárbaro
Então o mundo se partiu. Não sabemos a causa. Talvez a partida dos Elfos tenha afrouxado os ossos da terra, ou talvez os deuses, em um último ato de indiferença, tenham remodelado sua criação. Houve tremores que derrubaram montanhas e inundações que afogaram nações inteiras. Continentes se moveram. Onde antes havia cidades costeiras, agora se estendia o mar. Onde havia mares interiores, agora surgiam desertos de sal.
Foi nesta era de caos que os nossos antepassados e os outros povos do Norte, os de cabelos amarelos e os de cabelos vermelhos, foram postos em movimento. Não éramos como os homens do Sul, obcecados por linhagens e arrependimentos. Éramos fortes, ignorantes da grande história e, por isso, livres dela.
Enquanto os remanescentes dos reinos do Oeste se agarravam às suas ruínas, nós avançamos. Vimos as antigas cidades élficas e as fortalezas numenorianas não com reverência, mas com o olhar prático de um bárbaro. As ruínas eram abrigos contra o vento, suas pedras eram material para novas muralhas e seus tesouros esquecidos eram simplesmente ferro e ouro a serem tomados.
Assim nasceram os reinos hiborianos. A Aquilônia foi erguida por tribos que se estabeleceram sobre os escombros do antigo Reino do Norte. A Nemédia floresceu onde outrora se debatia a sabedoria decadente dos homens do Oeste. E a Estígia, mais ao sul, despertou de seu sono milenar, retornando ao culto de seus deuses-serpente, muito mais antigos e terríveis que qualquer sombra que os Elfos ou os Homens do Oeste já enfrentaram.
Observamos a ascensão e a queda dos Elfos, a glória e a decadência dos Homens do Oeste, e agora observamos a era bárbara dos hiborianos.
O mundo está mais sombrio, mas também mais simples. Não há mais uma grande luta entre a luz e as trevas. Há apenas a luta de um homem por sobrevivência, por um gole de vinho, pelo calor de um fogo e pela emoção da batalha. A magia é rara, a honra é uma mercadoria e os deuses estão em silêncio.
Esta é a Quinta Era. A Era Hiboriana. A Era do Aço e da Vontade.
